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Incontinência Urinária de Esforço com uretrocele tratada com Sling Transobturatório

Fernanda Pirajá Figueiredo

Bianca Carvalho Moreira

Dilermando Pereira de Almeida


Caso Clínico


Identificação: Paciente do sexo feminino, 40 anos, branca, costureira, casada, natural e residente de Curitiba.

Queixa principal: “perco urina quando rio”

História Mórbida Atual: Paciente vai ao urologista por perda urinária quando ri ou carrega peso. Os sintomas se iniciaram desde seu terceiro parto, sendo necessária a utilização de 2 absorventes diários para conter perda urinária. Relata realização de fisioterapia pélvica por 4 meses, com consequente melhora parcial. Também refere dor em região genital durante atividade sexual e quando fica muito tempo sentada (comum devido à profissão). Apresenta menstruação regular

História mórbida pregressa: G4P4C0A0, nega cirurgias prévias, internamentos, comorbidades ou medicamentos de uso contínuo.

Condições e Hábitos de vida: Nega tabagismo. Nega uso regular de álcool. Pratica ginastica 3 vezes por semana, apresenta alimentação saudável.

Ex físico:

Peso: 79kg Altura: 1,58 IMC: 31,6

Exame do assoalho pélvico:



Exame ginecológico: Ao exame especular foi observada uma uretrocele grau 2, cistocele grau 1, histerocele ausente, retocele grau 1, rotura perineal presente. Perda de urina no esforço da tosse no exame clínico. Manobra de Bonney positiva.

Urodinâmica: Verificada perda urinária aos esforços (tosse) durante a cistometria. A pressão mínima de perda (VLPP = “valsalva leak point pressure") = 113 cmH20. Bexiga com sensibilidade normal, sem contração detrussoriana não inibida, com capacidade e complacência normais. Pressão detrussoriana de esvaziamento, fluxo miccional adequados e resíduo miccional nulo no estudo miccional.

Diagnóstico: Incontinência urinária de esforço por hipermobilidade uretral associado a uretrocele grau 2, cistocele grau 1 e retocele grau 1

 

O que é a incontinência urinária de esforço ?

A incontinência urinária de esforço (IUE) é a causa mais comum de perda involuntária de urina, da qual se sucede na realização de algum esforço físico, sendo ausente a contração do músculo da bexiga (o detrussor). Portanto manobras como tossir, rir, levantar peso ou até mesmo se levantar da cama levam a perda urinária.


Isso ocorre em razão de uma alteração no esfíncter uretral interno ou da perda da sustentação adequada da uretra, por enfraquecimento das estruturas pélvicas e perineal (músculo do assoalho pélvico), levando à hipermobilidade da uretra e perda de urina quando feito esforço abdominal.


Epidemiologia da IU

É observada uma a cada 25 mulheres com incontinência urinária ao longo da vida, sendo que 40% das mulheres pós menopausa perdem urina involuntariamente. Além disso, 50% das mulheres multíparas perdem sustentação dos órgãos pélvicos, resultando em prolapso genital, (comorbidade associada à IUE). Destas mulheres, 10 a 20% procuram assistência devido aos seus sintomas.


Existem fatores de risco para a doença?

Alguns fatores de risco para a IUE são número de gestações (multiparas), parto traumático, parto vaginal, menopausa (hipoestrogenismo), cirurgias pélvicas radicais, obesidade e prolapsos genitais como cistocele, retocele, uterocele.


Prolapso genital

O prolapso genital envolve a queda da uretra, bexiga, útero e reto em três compartimentos do canal vaginal, sendo a queixa usual referida como “bola na vagina”. São chamados respectivamente de uretrocele e cistocele (pertencentes ao compartimento anterior do canal vaginal), a uterocele (pertencente ao compartimento médio), e retocele (pertencente ao posterior) . Isso ocorre devido à fragilidade dos músculos do assoalho pélvico.


Além de trazer constrangimento para as mulheres, pode tornar as relações sexuais dolorosas e comprometer o controle dos esfíncters, levando a obstipação intestinal, tenesmo e incontinência urinária.


O prolapso é dividido em diferentes graus de acordo com a classificação de Baden grau I: até a espinha isquiática grau II: da espinha esquiática até o anel himenal grau III e IV: ultrapassa o anel grau IV: ultrapassa o anel com eversão uterina completa.



O prolapso genital é verificado no exame físico do assoalho pélvico por meio da classificação POP-Q (Pelvic Organ Prolapse Quantification), a qual utiliza pontos de referência para definirem o grau de prolapso em cada compartimento (figura 3) .


Na classificação, o grau do prolapso está de acordo com a localização do seu ponto distal em relação ao intróito vaginal, que é considerado o ponto de referência 0. No sentido para o interior do canal vaginal, a contagem é descrescente, portanto negativa; e para fora do intróito vaginal, crescente, portanto positiva. Por exemplo, a distância normal entre Aa e o intróito vaginal é -3. Caso uma mulher tenha uretrocele e o ponto Aa se encontre em -1 (2 cm abaixo no normal), ela terá uma uretrocele grau 2. Caso o Aa esteja no nível do intróito vaginal, ou seja, ponto 0, o grau será 3, e caso passe 1 cm para fora do canal vaginal (+1), será uma uretrocele grau 4.



Caso você queira fazer um teste para verificar o tamanho de um prolapso genital, é possível usar a ferramenta do site AUGS: https://www.augs.org/patient-services/pop-q-tool-interactive/


Fisiopatologia da IUE

Em uma mulher normal, a continência urinária se da pelo suporte anatômico da pelve genital: músculos dos aparelhos de sustentação, fáscia, ligamentos e arcabouço ósseo.

Com isso, a perda do suporte anatômico da uretra e da união uretrovesical podem levar a perda de urina.


Para entender melhor essa parte, existem dois aparelhos de sustentação para a estática da pelve genital: o diafragma pélvico e o diafragma urogenital, que contém os músculos descritos na figura abaixo. Eles irão fazer com que, quando a pressão intra-abdominal aumente (quando uma pessoa tosse, por exemplo), haja contração de certos músculos e a pressão intra uretral seja maior, fazendo com que não haja perda urinária.





A fáscia desempenha um papel de suporte secundário, por se alongar quando submetida a tensão constante. Isso ocorre devido à rica presença de receptores de estrógeno, hormônio pelo qual aumenta a elastina e fibras colágenas. Assim, dependendo da tração exercida, a fáscia se acomoda devido a sua elasticidade.


Em uma mulher com IUE , ou seja, sem suporte anatômico adequado, a porção proximal da uretra não fica no plano dos músculos pubococcígeos. Por conseguinte, quando há pressão intra-abdominal (na tosse ou realização de esforço) e a uretra está abaixo do plano desses músculos, a uretra se encontra fora da zona de pressão intra-abdominal. Desta maneira a pressão do abdome faz um aumento súbito da pressão vesical (da bexiga), porém sem aumento da pressão intrauretral, ocasionando a perda involuntária de urina.


Em 95 % dos casos o defeito anatômico é causado por traumatismo obstétrico ou por atrofia dos tecidos por idade avançada (hipoestrogenismo).

A IUE também pode ser causada por uma deficiência no esfíncter uretral, devido à cirurgia pélvica, suspensão vesicouretral ou denervação da musculatura pélvica.


Como se faz o diagnóstico?


Anamnese

Por meio da história do paciente (anamnese) é possivel verificar alguns fatores que levam a pensar na IUE, como perda de urina ao esforço físico, uso de absorventes diários, alto IMC, multiparidade, parto por via vaginal, menopausa.


Teste do cotonete

Nesse teste é introduzida a porção algodonada do cotonete na uretra e solicita à paciente para fazer esforço

- Se angulação do cotonete for superior à 30º significa uretra fora posição anatômica, portanto uma hipermobilidade uretral.


Teste de Bonney

Encher bexiga com 250 ml de soro fisiológico por meio de sonda uretral Posicionar paciente em pé Solicitar que a paciente faça um esforço e observar se ocorre perda de líquido uretral Elevar ângulo vésicouretral, ou seja, eleva as estruturas peri-uretrais através da vagina (por meio de uma pinça) e solicitar que a paciente faça esforço, com isto não deverá ocorrer perda de líquido .

O teste é positivo quando não há perda de urina Se o teste for negativo se a perda persiste e sugere um componente de insuficiencia esfincteriana na incontinencia pesquisada.


Pad-test:

Realização de manobras que exigem esforço abdominal, como tosse, utilizando a proteção de um absorvente. Após as manobras, o absorvente é pesado para quantificar a perda de urina.


Urodinâmica

Este exame dura de 30 à 60 minutos e avalia o fluxo urinário, a capacidade de armazenamento e esvaziamento da bexiga, estudo da pressão uretral, estudo miccional e da pressão. Para a realização deste exame, são colocadas duas sondas uretrais e uma retal, para verificar a pressão vesical, abdominal e do detrussor (pressão abdominal menos a vesical). Com isso, são feitos os estudos da fluxometria, presença de resíduo pós-miccional, cistometria e estudo miccional.


Para auxiliar o diagnóstico da incontinência urinária de esforço, são importantes as manobras de esforço por meio do teste de esforço e a pressão de perda sob esforço (VLPP).

A manobra de esforço é realizada em pé com a bexiga cheia e é solicitado que a paciente realize uma manobra de tosse para verificar se há perda de urina. Já a verificação do VLPP na IUE, se da pela pressão de perda ao esforço quando maior do que 90 cmH2O. Caso o VLPP seja menor do que 90, pensa-se em uma deficiência do esfíncter uretral.


Tratamento

Inicialmente é recomendado um tratamento conservador por meio de exercícios de fisioterapia para o fortalecimento dos músculos do assoalho pélvico, como os exercícios de Kegel, biofeedback eletromiográfico, eletroestimulação e cone vaginal. O exercício de Kegel deve ser realizados pelo menos 3 vezes ao dia e o exercício básico é simular estar sentada sobre um objeto e tentar “pegar” o objeto utilizando a vagina.


No biofeedback eletromiográfico, a percepção sensorial dos músculos do assoalho pélvico são aumentados e a coordenação e controle motor voluntário são reestabelecidos, por meio de sinais auditivos ou visuais junto com a leitura e interpretação da atividade elétrica das fibras musculares.


Já a eletroestimulação melhora a função urinária, coordenação e força dos músculos do assoalho.


Os cones vaginais são pesos de 20 à 100g, que devem ser inseridos na vagina por 15 a 20 minutos durante a realização de uma caminhada. Devido à sensação de perda do cone, há contração dos músculos do assoalho.

A perda de no mínimo 5% do peso corporal em pacientes com obesidade ou sobrepeso também é recomendada e pode proporcionar melhora significativa da incontinência urinária. A cessação do tabagismo também é considerada um fator benéfico para a IUE, visto que o hábito de fumar leva a tosse, manobra já conhecida por levar à perda urinária.


Caso haja falha no tratamento conservador, o implante do sling (faixa vaginal livre de tensão) é indicado, como no caso clínico. Neste procedimento é introduzida uma fita de polipropileno por via vaginal (ou de tecido do próprio corpo da paciente) abaixo da uretra, a fim de aumentar a resistência uretral e diminuir a perda urinária.


Técnica Operatória

1. Paciente submetida a raquianestesia (anestesia comperda de sensibilidade do umbigo para baixo)

2. Disposta em posição de litotomia

3. Realizada antissepsia (clorexidina) e colocação de campos estéreis

4. Sonda de Foley n.16 transuretral

5. Incisão em parede vaginal anterior após infiltração submucosa com água destilada

6. Descolamento da mucosa vaginal até fáscia endopélvica

7. Passagem da agulha trans-obturatório transfixando orifício prévio da fáscia

8. Realizada passagem de tela márlex com prolene 0 (técnica sling vaginal)

9. Ressecção do excesso de tela nas incisões laterais (sem tração -tension free)

10. Sonda de Foley n.16 transuretral + bolsa coletora

11. Tampão vaginal com nistatina (para conter sangramento)



Prognóstico

O implante de sling sintético proporciona melhora da incontinência urinária em 70 a 90 % das pacientes.


O tratamento conservador ou cirúrgico é de grande importância para uma melhor qualidade de vida das pacientes, visto que é uma doença comum, que afeta as atividades diárias e o psicológico das pacientes, levando a insegurança e vergonha, por perda de urina em atividades sociais e até disfunção sexual, visualisada em 56% das mulheres com IU segundo pesquisa na UNIFESP. Apesar de afetar o cotidiano, muitas mulheres acreditam que essa perda urinaria é uma consequência normal da idade avançada, o que leva a não buscarem ajuda. Portanto, difundir sobre a presença de tratamento para a perda de urina ao esforço é de grande relevância, podendo mudar completamente o cotidiano das mulheres com essa comorbidade.

 

Referências


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Brubaker, L. Patient education: Pelvic muscle (Kegel) exercises (The Basics). Waltham (MA): UpToDate, 2016. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/pelvic-floor-muscle-exercises-beyond-the- basics?source=related_link#H1


Leinig, C. A. S. Propedeutica Ginecológica. 2012


Rigueira, F. A; Lourenço A. V. Sintomas, expectativas e qualidade de vida na abordagem do Prolapso de Órgãos Pélvicos. Maio, 2017. Universidade de Lisboa. Disponível em: https://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31306/1/FilipaARigueira.pdf


Sacomani, C. A. R.; Almeida F. G.; Resplande, J.; Carvalho, M.; Simões, R.; Bernardo, W. M. Incontinência Urinária de Esforço: Tratamento não-cirúrgico e não-farmacológico. Disponível em: http://sbu.org.br/pdf/diretrizes/novo/incontinencia_urinaria_de_esforco_tratamento_nao_cirurgico_e_nao_farmacologico.pdf


SILVEIRA, Arlon Breno Figueiredo Nunes da et al . Sling transobturatório: resultados de um centro de uroginecologia em Curitiba no ano de 2004. Rev. Col. Bras. Cir., Rio de Janeiro , v. 34, n. 2, p. 123-126, Apr. 2007 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-69912007000200011&lng=en&nrm=iso>. access on 11 Mar. 2020. https://doi.org/10.1590/S0100-69912007000200011.


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Sociedade Brasileira de Urologia. Projeto Diretrizes Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina: Ureterocele. Junho, 2006.Disponível em: https://diretrizes.amb.org.br/_BibliotecaAntiga/ureterocele.pdf


Imagens provenintes de:


Inconitência Urinária Feminina. Clínica Urológica Hospital Amaral Carvalho. Disponivel em: https://www.urologia-jau.com.br/incontinencia-urinaria-feminina/



Site AUGS. Interactive Prolapse Evaluation. https://www.augs.org/patient-services/pop-q-tool-interactive/


http://incontinenciaurinariabcs.org/2017/05/31/incontinencia-urinaria-de-esforco/

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